J. M. Coetzee – Desonra [2]

Ana,

Tenho ouvido falar de Coetzee há alguns anos, pois é um dos autores favoritos de um amigo, mas nunca deixei a preguiça literária de lado para realmente pegar algo dele pra ler. Dessa vez, não pude ignorar Desonra depois do seu post.

Não consegui achar palavra melhor pra classificá-lo do que a que você já usou: brilhante. Claro, o livro faz jus ao nome. E é daqueles que não cansam de te dar tapas na cara: a vida não é perfeita, a vida não é como queremos, as coisas sempre podem piorar, as pessoas não tomam sempre as decisões mais acertadas. Um aspecto que me tocou pessoalmente: a escolha de sofrer sozinho (no caso de Lucy, filha do protagonista). Não sei se é pela minha total aversão a querer chegar no fundo do poço, mas ao menor indício de dor, sofrimento ou o que seja, eu já estou querendo contar, querendo conversar (tadinha de você :P), querendo achar uma saída. E as escolhas da personagem me desesperaram muitíssimo, nossa. Às vezes eu pegava o Kindle pra ler e ficava meio receosa de ligar, só pra não dar de cara com a agonia do pai querendo ajudar, querendo saber o que estava acontecendo e ela lá, cada vez mais fechada em si, cada vez mais trancada, mais distante. Isso até agora me aflige, só de lembrar.

Desonra não é um livro que se redime no final. Não é um livro onde se faz justiça, onde tudo acaba bem, onde apesar de tudo as pessoas se reerguem e etc. O final de tudo fica suspenso, fica ali à espera de mais uma desgraça, de mais um degrauzinho pra baixo, de mais uma chance de levar uma vida que não é a que ninguém quer pra si.

Quero ler mais livros do autor. Mas preciso antes desanuviar.
– Anna

J. M. Coetzee – Disgrace

Anna,

Para o desafio do Nobel, escolher um autor foi difícil. São tantas as possibilidades! Meu critério era “autor relativamente atual que eu nunca tivesse lido”, mas as possibilidades continuavam amplas. Não sei bem o que me levou a escolher Disgrace. J. M. Coetzee, sul-africano naturalizado australiano, ganhou o Nobel de Literatura em 2003. Na nota divulgada à imprensa sobre o o vencedor, a Academia Sueca afirmou sobre o livro:

In Disgrace Coetzee involves us in the struggle of a discredited university teacher to defend his own and his daughter’s honour in the new circumstances that have arisen in South Africa after the collapse of white supremacy. The novel deals with a question that is central to his works: Is it possible to evade history?

E eu mal sei por onde começar a resenha. Vamos do começo, a sinopse. David Lurie, branco, professor de literatura na Universidade de Cape Town, 52 anos, duplamente divorciado, vê uma prostituta uma vez por semana e está bem contente com a forma como sua vida está arranjada.

He is in good health, his mind is clear. […] He lives within his income, within his temperament, within his emotional means. Is he happy? By most measurements, yes, he believes he is. However, he has not forgotten the last chorus of Oedipus: call no man happy until he is dead.

Até que ele se envolve com uma aluna. Lembra que o título do livro é Disgrace? Pois é. A aluna o denuncia, e David precisa  encarar um comitê de ética, repórteres, etc. Ele encontra refúgio na chácara de sua única filha, Lucy. Mas o título ainda é o mesmo, e uma tragédia acontece. A chácara é atacada por três homens – negros, e isto é relevante porque estamos falando da África do Sul pós-apartheid. David é agredido, Lucy é estuprada. E sim, sem spoilear mais, esta tragédia traz muito mais desgraças.

Coetzee fala de conflitos raciais, de submissão à história, e de direitos dos animais. Fala também, claro, de como nós elaboramos as nossas relações pessoais, e de como estas mudam.

Uma passagem que não é relevante para a trama principal, mas que eu achei maravilhosa (e über triste):

 Poor old Katy [uma cadela], she’s in mourning. No one wants her, and she knows it. The irony is, she must have offspring all over the district who would be happy to share their homes with her. But it’s not in their power to invite her. They are part of the furniture, part of the alarm system. They do us the honour of treating us like gods, and we respond by treating them like things.

Eu adorei o livro. Cinco estrelas no Goodreads, daria seis se possível fosse. Entretanto, não é todo mundo que vai gostar. As escolhas de alguns personagens são difíceis de aceitar. O final não te deixa com a sensação de missão cumprida; ainda que de certa maneira ele seja epifânico para David – mentira. Epifânico para o leitor sobre a personalidade de David.  Citando novamente a Academia Sueca, “His protagonists are overwhelmed by the urge to sink but paradoxically derive strength from being stripped of all external dignity”. Enfim, foi fácil entender por quê Coetzee recebeu um Nobel: Disgrace é brilhante.

– Ana