Nicolai Lilin – Siberian Education

Dignified criminals introduce themselves, exchange greetings and wish each other every blessing even before they start killing each other.

Ana,

dando continuidade ao “olha como finalmente nos reorganizamos e agora vamos ler tudo direitinho e até pagar as resenhas atrasadas” (todos os direitos reservados), meu livro sobre Máfia foi o Siberian Education. Também tentei fugir dos livros batidos, o que não foi fácil! (já passei por isso em outras categorias do desafio, e acho super legal evitar os clichês :D), e acabei escolhendo esse por ser diferente da polaridade que é a máfia italiana na literatura e no cinema (depois, lendo a biografia de Lilin, vi que ele se mudou pra Itália e o livro, inclusive, foi escrito em italiano originalmente, o que me confundiu nas tags ali em cima: ele é um escritor russo? italiano? why not both? :D) .

Comecei com um prologozinho 1) porque eu sou frexca  e 2) porque nessa frase cabe toda a essência da comunidade descrita pelo livro. Nicolai Lilin, chamado no livro por seu apelido de infância — Kolima —, foi criado em Bender, no distrito de Transnístria, onde hoje é a Moldávia, um lugar pra onde eram mandados os criminosos expulsos da Sibéria na década de 1930, e siberian education é como era chamado o tipo de educação dado às crianças. No livro são mostrados todos os rituais e crenças da comunidade, tão bem organizada — imagino ser esse um ponto comum nas comunidades mafiosas — que funcionava como uma grande família (como se família fosse algo organizado, né. Mas dá pra pegar o sentido :P). Uma coisa muito bacana é que eles não obedeciam a nenhum tipo de regime: nem o do tsar, nem o regime comunista que se instalou depois.

O livro conta como foi a infância de Kolima até ele ser obrigado a entrar no exército, aos 18 anos. Nesse ponto, ele já havia matado uns tantos, se enfiado em MUITA enrascada e cumprido três penas em reformatórios juvenis (nada, é claro, fora do que era preconizado pela comunidade).

Uma coisa interessante é que ele mostra que a única facção mafiosa daquela região que era corrupta e fazia negócios com a polícia e com o governo é a única que sobrevive até hoje, depois de instalar uma guerra entre as outras máfias e fazer com que elas acabassem umas com as outras.

Black Seed is the only caste that is protected by the police. They are hated by everyone else, but no one can do anything about it. They are in charge now; they control all the prisons and all criminal activities.

(…)

They finally succeeded in doing this [acabar com as outras comunidades] five years later, when they set many young criminals against the old ones and sparked off a bloody war. That was the beginning of the end of our community, which no longer exists as it did at the time of this story.

Os membros da comunidade são conhecidos como “honest criminals”, e o respeito pela vida humana e animal é imenso — a menos que você (ou seu bairro, sua família ou qualquer dos seus amigos) faça por onde merecer. Assim, é engraçado quando Kolima vai procurar um dos criminosos mais violentos e lendários do grupo pra pedir um conselho e diz  que “he was at his table, as usual; he was having tea with cake and reading a book of poems“. Não é bem a ideia que a gente tem de mafioso, né? 😀

Um criminoso honesto não pode falar com policiais, governo nem tocar em dinheiro. E ele também não pode ostentar riqueza — esqueça o gangster; ser chamado de humble brother é o maior orgulho que um criminal pode ter. Todo o dinheiro ou coisa que o valha, fruto de roubos ou tráfico (no caso de alguns criminosos de Transnítria, o tráfico de bebidas), vai para o obshchak, um fundo comum da sociedade. O princípio básico aqui é que nada é seu: por isso, você tem a obrigação de ajudar seus vizinhos no que falta a eles. Quando jovens perdem os pais, eles são automaticamente adotados por outra família no distrito. A mesma coisa acontece com pais que perdem seus filhos, eles procuram adotar mesmo crianças de outros distritos.

Outra característica interessante: eles são muito, muito, muito estrito com regras. Mesmo quando o assunto é assassinato, você se torna a pior das criaturas se matar alguém sem que a pessoa saiba quem o está matando, por quê e pior ainda se for pelas costas. O respeito pelos mais velhos também é incontestável e você não deve nunca — nunca — insultar ou xingar alguém:

An insult is regarded by all communities as an error typical of people who are weak and unintelligent, lacking in criminal dignity. To us Siberians, any kind of insult is a crime; in other communities some distinctions can be made, but in general an insult is the quickest route to the blade of a knife. (…)

Insults are forgiven if they are uttered in a state of rage or desperation, when a person is blinded by deep grief – for example, if his mother or father or a close friend dies. In such cases the question of justice is not even mentioned; he is judged to have been ‘beside himself’, and there the matter ends. Insults are not approved, however, in a quarrel that arises from gambling or criminal activities, or in matters of the heart, or in relations between friends: in all these cases the use of swear-words and offensive phrases usually means certain death.

A figura da religião (ortodoxa), da “mãe Rússia” e da mãe biológica é tão altamente misturada que chegam a ser uma só. Blasfemar contra uma delas é morte na certa. Apesar disso, eles são em grande parte misóginos: um homem ser tratado por algum adjetivo feminino é muito humilhante (a polícia só se refere aos criminosos no feminino, pois sabe disso) e um criminoso só pode falar com um policial ou com um inimigo através de uma mulher — porque ela não representa nada. Apesar disso [2]… 😀

The phenomenon of a woman leading a gang was quite common in Siberia: women with a criminal role are affectionately called ‘mama’, ‘mama cat’ or ‘mama thief’, and are always listened to; their opinion is considered to be a perfect solution, a kind of pure criminal wisdom.

Um criminal também não tem o direito de julgar outro, nem os atos de alguém. E quando a coisa é séria, você é levado a um conselho de elders e julgado da forma mais imparcial possível.

Tem um capítulo todo a respeito das tatuagens da máfia (Kolima foi tatuador na sua comunidade), que contam a história de vida do cara. É importante que os membros da comunidade saibam ler as tatuagens; dessa forma, assim que conhecem alguém, eles já sabem de quem se trata e o que esperar daquela pessoa (uma tatuagem que minta sobre você é motivo mais que suficiente pra ela ser arrancada a sangue frio e você, depois, morto).

O livro é rapidinho de ler (certeza que você o terminaria em um dia ou dois!) e eu SUPER indico. Sério, todo mundo tem que ler! Estou seriamente pensando em ler Sniper, que é a continuação da biografia (não necessariamente a segunda parte, pelo que vi), e que conta como foi o período de dois anos que ele passou no exército. Ele começa exatamente no ponto em que Siberian Education termina (quando Kolima é mandado pros saboteurs por um coronel, quando ele se recusou a entrar pro exército):

He [um soldado] paused, then asked me in alarm: ‘The sabouteurs? Holy Christ, what’s he got against you? what have you done to deserve this?’ ‘I’ve received a Siberian education,’ I replied, as he closed the door.

–Anna

Retorno às atividades com Nicholas Pileggi – Wiseguy

Anna,

Para começar bem a série “olha como finalmente nos reorganizamos e agora vamos ler tudo direitinho e até pagar as resenhas atrasadas”: desafio de outubro, Máfia! Não queria ler o super batido Godfather, então fui naquele que resolve todos os meus problemas (Google) descobrir um livro adequado. Não é que dei sorte?

Wiseguy: life in a Mafia family conta a história real de Henry Hill, um mafioso que virou informante. O livro foi adaptado para o cinema em “Goodfellas”. Por vezes, parece que a série de golpes foi inventada, de tão absurda e inacreditável. A história se passa nas décadas de 1960 e 70, em Nova Iorque, em uma época em que as autoridades policiais ainda tinham uma visão quase romântica do crime organizado. O author, Nicholas Pileggi, entrevistou Hill após sua entrada no programa de proteção às testemunhas, que parece impossível durante 90% do livro.

Hill was a surprising man. He didn’t look or act like most of the street hoods I had come across. He spoke coherently and fairly grammatically. He smiled occasionally. He knew a great deal about the world in which he had been raised, but he spoke about it with an odd detachment, and he had an outsider’s eye for detail.

Pileggi entrevistou também a esposa e a principal amante de Hill, e a história é contada a partir destas três perspectivas.

 Henry and his pals had long ago dismissed the idea of security and relative tranquility that went with obeying the law. They exulted in the pleasures that came from breaking it. Life was lived without a safety net. They wanted money, they wanted power, and they were willing to do anything necessary to achieve their ends.

Esta “motivação para o crime” é a característica em comum de todos os personagens, obviamente, e é expressa com uma naturalidade quase desconcertante. De Jimmy, o parceiro que dizia que “subornar policiais era como alimentar elefantes: você só precisa de amendoins”, até Paul Vario, o capo, que funcionava como a polícia dos mafiosos, mantendo a ordem no crime, a estrutura é tão bem organizada que você fica com um pouco de raiva dos personagens quando eles são pegos pela polícia de verdade – o que só acontece por descuidos.

A evolução do personagem principal é bem construída, desde os pequenos furtos e incêndios premeditados, passando pelas prisões por uso de cartões de crédito roubados, até o grande golpe da Lufthansa. O livro é muito envolvente, e eu só parava de ler… quando o alarme do Strict Workflow tocava. Ao terminar de ler, corri na wikipedia para ler mais sobre Henry Hill e sobre os demais personagens. Acho que isso dá uma boa ideia do quanto este livro valeu a pena. não?

– Ana