Christopher Hitchens – The Missionary Position 

Anna,

Enquanto lia Deus, um Delírio, marcava vários dos livros citados para ler também. Resolvi começar por The Missionary Position: Mother Theresa in Theory and in Practice, simplesmente porque o Sky já tinha lido e me dito que era interessante. Aliás, as palavras dele foram “só leia se você quiser reforçar suas crenças, não acho que ele vá te surpreender”.

Those prepared to listen to criticism of Mother Teresa’s questionable motives and patently confused sociological policy are still inclined to believe that her work is essentially humane. Surely, they reason, there is something morally impressive in a life consecrated to charity. If it were not for the testimony of those who have seen the shortcomings and contradictions of her work firsthand, it might be sufficient argument, on the grounds that Mother Teresa must have done some genuine good for the world’s suffering people. However, even here the record is somewhat murky and uneven, and it is qualified by the same limitations as apply to the rest of Mother Theresa’s work: that such work is undertaken not for its own sake but to propagandise one highly subjective view of human nature and need, so that she may one day be counted as the beatific founder of a new order and discipline within the Church itself.

Madre Teresa de Calcutá é cercada de histórias e lendas que são difíceis de engolir se você não for um completo crédulo que acredita em absolutamente qualquer coisa que te digam. Como, por exemplo, a história do “milagre” da filmagem de 1969 no completo escuro que ficou clara e nítida devido à “luz interna” da Madre Teresa. Sério mesmo, gente? O mito, espalhado por Malcolm Muggeridge em seu livro “Something Beautiful for God”, vai além e diz que este é o primeiro milagre realizado por alguém vivo! E o pobre do cameraman que filmou a cena, Ken Macmillan, achando que era um milagre da Kodak!

Um editor do The Lancet (a maior revista médica do mundo) foi visitar a “Home for the Dying” em Calcutá em 1994, para avaliar os cuidados médicos lá oferecidos. E voltou horrorizado. Por orientação de Madre Teresa, analgésicos fortes não eram permitidos. Também não eram permitidos exames laboratoriais ou mesmo algoritmos simples para determinar se a doença é curável ou não. A desculpa não era falta de dinheiro, já que a fundação recebia há três décadas um volume considerável de doações em materiais e espécie (e que boa parte foi desviada para a construção de um convento e outros trabalho missionários). Sente o drama da desculpa: “Such systematic approaches are alien to the ethos of the home. Mother Teresa prefers providence to planning; her rules are designed to prevent any drift towards materialism: the sisters must remain on equal terms with the poor.

Hitchens entra em interessantes minúcias sobre esta instituição, citando várias fontes que trabalharam diretamente com Madre Teresa – não vou entrar em detalhes, obviamente, para não simplesmente copiar o livro inteiro. Fica claro que o objetivo não era curar ninguém. Até mesmo porque a “Santa” Madre Teresa preferiu buscar os melhores e mais caros hospitais do ocidente quando ela mesma ficou doente.

O nome de Madre Teresa também aparece em várias histórias de corrupção, como a carta que ela mandou para uma corte americana pedindo clemência para Charles Keating, que desviou depósitos de pequenos investidores no Estados Unidos no início da década de 1980. No auge de seu sucesso, Keating doou 1,250,000 dólares para as instituições de Madre Teresa, deixou-a usar seu jatinho privado, e ela em troca permitiu que ele usasse seu prestígio em ocasiões relevantes (além de dar-lhe um crucifixo personalizado). Um dos advogados de acusação respondeu a ela em uma carta bem articulada, explicando a natureza dos crimes e pedindo que ela fizesse o que Jesus faria se soubesse que havia recebido os frutos de um crime. O advogado achava que Jesus devolveria o dinheiro aos seus legítimos donos. Madre Teresa, provavelmente, interpretou de outra maneira. O advogado jamais recebeu uma resposta, e o dinheiro obviamente jamais foi devolvido. Finalmente, Hitchens detalha as (sórdidas) incursões políticas de Madre Teresa, especialmente no Haiti e em sua Albânia natal.  Spoiler: é de dar nojo.

Sky estava errado. O curto livro me surpreendeu sim. Eu sabia que ela não era a santa que tentou demonstrar ser, sabia que as operações em Calcutá eram ridiculas, e sabia do desvio de dinheiro. Não sabia da profundidade do aspecto político. Fiquei com nojo.

– Ana

Deus Não É Grande – Christopher Hitchens

Ana,

Terminei de ler Deus Não é Grande: Como a Religião Envenena Tudo há algum tempo já (no dia 24 de janeiro, segundo o Goodreads :B). Hitchens é um dos meus autores favoritos (vale a passada na página dele na Vanity Fair) e foi a primeira vez na vida que eu tremi o beicinho quando um escritor morreu (ele faleceu de câncer em 2011).

Esse livro parte da premissa de que o homem criou Deus “à sua imagem e semelhança”, em contraponto à colocação bíblica. O autor aponta a crença em Deus, e mais ainda a crença numa religião organizada, como o principal atraso ao desenvolvimento da nossa sociedade (ocidental, principalmente).  Hitchens coloca – e eu concordo – as religiões como “violentas, irracionais, intolerantes, racistas e incentivadoras do fanatismo”, e fundamenta muito bem suas colocações, como a tendência que temos em acharmos que uma pessoa religiosa é inofensiva e bondosa. Temos o “maior país católico do mundo”, e que não consegue dar um passo à frente no caminho dos Direitos Humanos ou em outras questões relevantes, como distribuição de renda e melhoria da qualidade de vida e diminuição da corrupção crônica, sem que dê três passos pra trás e proíba uma mulher grávida com câncer de abortar, ou que permita atrocidades como derrubar uma liminar que permitia que mulheres antecipassem o parto de fetos com má-formações incompatíveis com a vida (por favor, assistam), como acontecido em 2004. Ou onde o fato de um candidato a qualquer cargo público no país tenha que ficar provando o tempo todo que acredita em Deus (indo à missas, cultos etc.) pra não correr o risco de perder votos (vi isso acontecer com vários candidatos ao governo do GDF, não só de esquerda, e à então candidata Dilma nas últimas eleições).

Aliás, o próprio conceito de espiritualidade me desgosta muito. O velho “tenho um lado espiritual independente de religiões” me soa de um autocharlatanismo medonho, beirando o desequilíbrio. O que eu tenho visto são pessoas que afirmam coisas assim e que não possuem um mínimo de pensamento crítico livre de superstições e abominações de todo tipo. É o indivíduo que toma passe no Terreiro, vai à Missa no fim de ano, crê em reencarnação, paga o dízimo e usa amuleto de pimenta no pulso. Mais falta de bom-senso não há. E esse tipo de desarranjo mental se reflete em todas as áreas da vida da pessoa, numa mistura de maria-vai-com-as-outras com ovelha procurando o bom pastor que acaba virando terreno fértil para um manipulador mais incisivo e uma porta aberta pra todo o tipo de aberração, como achar que isso ou aquilo acontece “porque Deus quis”. Essas pessoas são as mais aptas a desenvolverem preconceitos e apoiarem violências de todos os tipos em nome de uma entidade (ou de várias entidades) que – vejamos – nunca tivemos a mínima certeza de que exista ou tenha existido.

Gostei muito do capítulo onde ele desmancha a visão que temos das religiões orientais. Uma coisa que sempre me irritou é esse Zen de beira de esquina, essas falsas colocações de que o oriente é mais espiritualizado e evoluído (o que podemos ver, logo de cara, que é falso, posto que o Japão tem índices altíssimos de suicídio e a Índia, bem…). Tudo isso é usado pra criar a falsa analogia pobreza = felicidade, ou colocar a pobreza material dos Estados (fruto da exploração, das desigualdades, da corrupção) como uma qualidade. Em outras palavras, pra dopar o povo e desviar a atenção do que realmente importa.

Com muito do que li eu concordei de cara, com outras coisas eu tive que parar pra pensar (tanto esse livro como o Deus, Um Delírio foram, pra mim, muito mindblowing). Li a edição traduzida pro português, mas tomei vergonha na cara e coloquei a original no Kindle e vou reler 🙂