Charlotte von Mahlsdorf – I Am My Own Wife

Ana,

(fingindo que não sei que tô anos atrasada no post) quando a gente colocou a categoria autobiografia no desafio, o primeiro livro que me passou pela cabeça foi esse. Há alguns anos fui ao Teatro da Caixa assistir a uma peça chamada Eu Sou Minha Própria Mulher, não lembro se escolhi por causa do nome. A peça era um monólogo autobiográfico baseado na vida de Charlotte von Mahlsdorf (nascida Lothar Berfelde), alemã que fundou o Museu Gründerzeit, dedicado à coleções de objetos e móveis de uso doméstico.

Eu CHOREI que nem uma condenada a peça inteira (não lembro quem era o ator), e o livro foi parar na minha lista de to-read até esse mês (eu não sou muito proativa, é verdade), embora eu goste muito mais do nome dado à primeira edição, I Am My Own Woman 🙂

Charlotte era uma travesti, filha de nazista e vinda de um lar violento.

After their wedding, my parents moved into the upper floor of the cottage. It was a very unhappy marriage because my father was a brutal tyrant with a riding-crop mentality.

(…)

Even as a child I thought my father a fiend, although I was too young to know how brutally he was abusing my mother. (…) I recall him giving me a horrible beating over some trifle, screeching barrack obscenities all the while. When I cried, he roared “BOYS DON’T CRY!” and hit me harder. That was my father, Max Berfelde.

Apesar do pai – que Charlotte diz duvidar que tenha alguma vez notado que o filho era, na verdade, uma menina – ela encontrou apoio no tio, Josef Brauner, o mesmo que tinha criado sua mãe e dado todo o apoio pra família até a sua morte (ele inclusive nunca se opôs ao fato de Charlotte usar roupas femininas, e durante a ocupação nazista ia com ela até os locais de distribuição de roupas e alimentos e muito naturalmente pedia por casacos femininos ou saias pra sobrinha), e numa tia, lésbica e travesti, que morava numa fazenda. A mãe de Charlotte dizia “não concordar” com a filha, mas respeitar seus posicionamentos.

My aunt told me that from the first time she sat astride a horse when she was six years old, she knew she was a boy. She confessed this to her father who, without further ado, informed his surprised wife that Louise should really have been called Luis.

É muito bonito ver como os dois são aceitos e apoiados pela família, apesar de tudo. Não obstante, Charlotte foi obrigada pelo pai a entrar pra Juventude Hitlerista e, com a evacuação da cidade onde moravam, ela vai com a mãe e os irmãos pra longe do pai. Este, numa visita de Charlotte pra buscar algumas coisas em casa que eles precisavam, ameaça a menina a ficar com ele, dizendo que se ela não aceitasse, mataria toda a família. Charlotte, então, no meio da noite, mata o pai a pauladas (ela tinha só 15 anos!).

It was not, and could not have been, done in the heat of passon. I had resolved to act. I kenw there was no other choice. When the police came, I felt free in the knowledge that this monster could no longer hurt my mother. His murder was a kind of preventive “self-defense”.

O livro todo é muito sensível, e da mesma forma que Charlotte narra o assassinato do pai ou os episódios horrorosos da guerra, ela narra como começou sua coleção – que formaria o museu – e como encheu a casa do tio de cacarecos (hahaha), ou como andava quilômetros pra buscar um relógio ou pra encontrar quem consertaria um gramofone. Em muitos pontos há até uma certa graça nas coisas, como quando o tio chega em casa e Charlotte está vestida de empregadinha doméstica arrumando a casa, ou quando o professor de Educação Física pergunta porque ela não gosta das aulas e ela responde que “preferia estar em casa tirando o pó dos móveis”, atitudes até, de certa forma, ingênuas (e o tom não muda, seja falando de um sofá ou das festas BDSM que aconteciam no porão do seu museu :P).

I admit that is completely absurd to regret the destruction of a scalloped edge, but that’s how I am.

(…)
This house is my fate. It called out to me in its greatest need, and I was there for it. Here, my dream of having my own museum became reality. But more than that: this house is my home. Museusm guide, tenant, and housekeeper all in one, I have furnished the house the way a middle-class housewife would have furnished her home around 1900.

O livro é lindo, a história é emocionante e Charlotte decerto era uma vozinha muito querida (pelo menos é o que parece nas fotos dela :P). E, sobretudo, uma mulher forte, decidida e empoderada. Ela entrou definitivamente pra minha lista de seres humanos fabulosos! 🙂

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